Divagações de um ex-aluno

Mafalda, de Quino

"... Caminhando pelas ruas de Viena - já de barbas grisalhas e vergados por todas as preocupações da vida familiar - podíamos encontrar inesperadamente algum cavalheiro idoso e bem conservado, ao qual saudávamos quase humildemente, porque o reconhecemos como um de nossos antigos professores.

Mas depois parávamos e refletíamos: 'Seria realmente ele? Ou apenas alguém muito semelhante?’ Como parece jovem! E como estamos velhos! Que idade poderá ter hoje? Será possível que os homens que costumavam representar para nós protótipos de adultos, sejam realmente tão pouco mais velhos que nós?'

Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que, antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores. Alguns detiveram-se a meio caminho dessa estrada e, para uns poucos - porque não admitir outros tantos? - ela foi por causa disso definitivamente bloqueada.
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Nós os cortejávamos ou lhes virávamos as costas; imaginávamos neles simpatias e antipatias que provavelmente não existiam; estudávamos seus caracteres e sobre estes formávamos ou deformávamos os nossos. Eles provocavam nossa mais enérgica oposição e forçavam-nos a uma submissão completa; bisbilhotávamos suas pequenas fraquezas e orgulhávamo-nos de sua excelência, seu conhecimento e sua justiça. No fundo, sentíamos grande afeição por eles, se nos davam algum fundamento para ela, embora não possa dizer quantos se davam conta disso. Mas, não se pode negar que nossa posição em relação a eles era notável, uma posição que bem pode ter tido suas inconveniências para os interessados. Estávamos, desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los.
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Estes homens, nem todos pais na realidade, tornaram-se nossos pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens, impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente adultos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontávamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias e, ajudados por ela, lutamos, como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais de carne e osso.

Viena, 1914 [Sigmund Freud]

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